Absorve-me mas em várias fracções

sábado, 31 de dezembro de 2022

Não muda nada

 

O ano passado não passou,

 continua incessantemente.

 Em vão marco novos encontros.

 Todos são encontros passados.

 As ruas, sempre do ano passado,

 e as pessoas, também as mesmas,

 com iguais gestos e falas.

 O céu tem exatamente

 sabidos tons de amanhecer,

 de sol pleno, de descambar

 como no repetidíssimo ano passado.

 Embora sepultos, os mortos do ano passado

 sepultam-se todos os dias.

 Escuto os medos, conto as libélulas,

 mastigo o pão do ano passado.

 E será sempre assim daqui por diante.

 Não consigo evacuar

 o ano passado.

Carlos Drummond De Andrade 




1 comentário:

Odeio as almas estreitas, sem bálsamo e sem veneno, feitas sem nada de bondade e sem nada de maldade.Nietzsche
Deixa aqui algum bálsamo.