Absorve-me mas em várias fracções

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Degradação, POR ALGUÉM DESCONHECIDO

Tenho uma vida feita de nada. Cacos estilhaçados num chão sujo com cheiro a carne em decomposição. Sou eu que me desfaço em cada pensamento que estico até ao outro lado de mim.
Percorro o cubículo a que chamo casa e onde me confino no final de cada dia rotineiro. Evito a solidão mesmo sabendo que é no meio de gente que me sinto mais só. São como eu, solidões procurando parceiros que atenuem a exaustão de viver, apenas por alguns minutos fugazes de ilusório prazer.
Olho pela janela e observo crianças de roupas escuras de pó e terra que brincam no que foi outrora um jardim. Levo a mão ao ventre seco, onde em tempos se abrigou um feto que não vingou por culpa de mãos assassinas que o açoitaram, no ventre da mãe pecadora. Não sei se foi ele que fez da minha vida esta merda de vazio, mas foi quem me deixou as marcas de tareias infindáveis, lágrimas derramadas que fizeram secar a fonte até hoje.
O meu corpo já não alberga o riso de uma criança, nem espera o prazer de ser mãe. O cabrão retirou-me essa possibilidade, como quem arranca uma flor pela raiz e a destrói para sempre. Foi o que me disse o médico que me socorreu. Vale-me o facto de ter conseguido fugir-lhe há cinco anos, ainda com um fio de sangue escorrendo pelas coxas, denunciando o feto perdido e a amargura de um fim desde sempre anunciado.
Agora sou apenas um corpo de mulher largado no quotidiano, de espírito envelhecido, apesar dos vinte e nove anos vividos. As mãos tremem-me ao recordar a dor que só uma mulher pode sentir, quando se cravam na carne as facadas de uma perda como a minha.
Preciso de tomar mais um valium.
Regresso à sala e olho as paredes vazias, com rasgos de humidade. Raios! Estou farta de viver no meio desta podridão, de ter o mesmo reles emprego, de frequentar os mesmos locais, ver os mesmos rostos de gente perdida em corpos que já não lhes pertencem.
Sexo, drogas e álcool. Uma mistura explosiva. Mas é o que me alimenta a cada dia que passa por este corpo moribundo.
Daqui a umas horas anoitece e é mais um Sábado passado. Como eu detesto os fins-de-semana, sentindo-me prisioneira destas quatro paredes. Mas a noite espera-me, na rotina da busca do som de vozes que se misturam com músicas decadentes.
Mais um gole de vodka. Mais um compasso de espera.
O PODER DA NATUREZA É INFINITO, EU, SOU NATURAL!

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Odeio as almas estreitas, sem bálsamo e sem veneno, feitas sem nada de bondade e sem nada de maldade.Nietzsche
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