Ando cada vez mais intrigado com o lugar para onde vão as coisas que
vivemos. Deve por certo haver algures algum registo, um filme detalhado.
Que isto não é só isto, senão bastava-se. O meu pai, por exemplo,
continua a viver em mim. O que mostra bem a imortalidade das almas. O
que eu não percebi talvez fosse para não ser percebido. O que vivi
talvez fosse para não ter sido vivido. O que matei levo-o comigo fechado
dentro de um saco. Sem poder ter a certeza. Se a tivesse dava-a de bom
gosto a quem ma pedisse. Eu não nasci assim louco. Eu lentamente adoeci.
É urgente elevar a pessoa à posição do espanto. É daí que se abre o
mundo. Qualquer coisa possui em si o mistério de tudo e a nossa
distância vai daqui para ali, e volta. Há uma frase por escrever da qual
esqueci as palavras e a gramática. Uma frase que junte coisas
separadas, as nuvens e as suas sombras, animais fabulosos a sensíveis
plantas, breves recados a fatais desenlaces. Uma frase é um laço
apertado por um verbo. Eu conjugo verbos como quem se encontra diante de
um precipício. É a morte por todo o lado espelhada que me faz escrever a
frase. Entretanto deparo diante de mim com uma parede falsa. Os meus
olhos escondem tudo o que descobrem por detrás dela. Uma parede não
basta para fazer uma casa. Uma casa é uma concha. Uma concha é uma casa.
Uma concha abre-se como uma porta. Uma porta que conduz de uma prisão a
outra. Há uma prisão inexpugnável. Eu nunca serei tu. Deve ser esta a
frase que pedia para ser escrita aguardando pacientemente. Mas quem
saberá a verdade se o que nos aproxima é o que nos mantém afastados? Em
primeiro lugar o geométrico espaço, em segundo o tempo que nunca se
atrasa. É assim, sempre assim. Prosseguimos de segredo em segredo as
mãos atadas à cabeça. Foi sempre assim estar aqui, nesta existência
extrema
(É preciso elevar a pessoa ao lugar do espanto - Pedro Paixão)
Sou uma força da natureza, não tentes destruir - me...
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Odeio as almas estreitas, sem bálsamo e sem veneno, feitas sem nada de bondade e sem nada de maldade.Nietzsche
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